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domingo, 6 de dezembro de 2020

Escritos Pandêmicos 001 O VAZIO

 

Psicofilosofando o existir…

 

O Vazio (by Saulo)

 

O que seria capaz de tocar o vazio? Algum recôncavo não visitável de nossos seres? Intocável?  As partes ignoráveis de nossa humanidade?

... talvez as partes desumanas do nosso sentir, desejar, pensar.... planejar.

 

Tão desumanas que se alinham perfeitamente ao humano... tão nietzscheanas, ou  vergonhasamente socráticas, quiçá  merecidamente de um José, ou de uma Maria de minha rua. Rua que nasce do vazio da casa de dona Antonia, que com seus cabelos brancos, pele enrrugada como os bons e velhos cablocos, boas e velhas  caboclas, meio negras(os)/pretas(os), meio indígenas, meio brancas(os), o que no somatório já dá mais que um inteiro, cisma em viver.

 

O vazio da vida lhe levou companheiros e companheiras. Alguns filhos, sonhos, a pele lisa da década de 40. O vazio lhe ocupa boa parte da alma, quando melhor se apresenta, é quando seus olhos ficam longínquos , imaginando o que seria se tivesse deixado antes seus companheiros, algumas companheiras, ou não ter gerado seus filhos, que perdeu para a bebida e já alguns netos, para o crack. Antonia, na adolescência, treinou com Luiza, irmã mais nova, a arte e o sonho de ser professora. Mas Luiza foi embora pra nunca mais voltar, nem se ouvir falar. O sonho de ser professora foi embora tal qual.

 

Acompanhada de uma porção de outros ideiais e sonhos, que àquela época, ocupavam ¾ de seu ser. O ¼ sempre foi vazio desde seu nascimento. Nunca soube se pelo vazio da violência infantil, dos companheiros e companheiras que acolheu, voluntariamente ou não em sua vida; da polícia , que sempre foi polícia, seja quando voltava de ônibus, numa averiguação, nada averiguadora, somente de rotina ou quando via pela TV outros trabalhadores e trabalhadoras apanhando, na luta por direitos. Às vezes, se perguntava: "que direitos eram esses?", já que conhecia tão poucos em sua vida; ou pela autoviolência de uma Antônia que nunca se permitiu preencher o próprio vazio. Hoje vive o vazio, numa casinha, meio-cavo. Esquenta seu arroz e feijão com uma misturinha, que a aposentadoria getualiana lhe possibilita. Os filhos e filhas, que a violência não levou, às vezes aparecem para compartilhar vazios, tão e tantos vazios, quantos os da mãe. Vazios capturados por osmose, possivelmente do ventre da velha matriarca. E ouvem a ode fenomenal... ou seria melhor fenomenológica: “a vida não é mais que isso, um vazio, que as vezes se torna meio-vazio... mas creiam terá sempre uma parte vazia... mas vocês conseguem... eu consegui”, já com voz fremente.

Dando a “bença”, talvez a única coisa cheia de sua existência antoniana, ganha a despedida, que passa por um abraço curto e beijo na mão.  A casa se aquieta, o vazio de Antônia também... a vida meio-vazia  segue... Antônia olha pela janela o pôr do sol, já quase vazio de seu domínio, é a vida... pensa...

 

Pensamos?

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